Chamava-se Almeida, como devem se chamar todos os funcionários públicos. Estava na repartição havia 35 anos, 11 meses e 29 dias e os colegas brincavam que dali a pouco seria tombado patrimônio público.
Perseguidor do
funcionalismo exemplar, era sempre o primeiro a chegar e o último a
sair. O que não significava absolutamente que trabalhasse muito. Não
tinha interesse em adequar-se às novas tecnologias, para ele
completamente dispensáveis, e era capaz de passar horas quase imóvel na
frente de um computador, como se meditasse. Era uma figura pálida,
apática, jamais tomara uma decisão, jamais fizera uma pergunta. Movia-se
devagar, da porta de entrada à mesa e lá permanecia em silêncio, há 35
anos, 11 meses e 29 dias.
Uma semana antes da aposentadoria compulsória, Almeida sentado a sua cadeira, se contorce num violento espasmo e cai, acertando em cheio o teclado em frente. Morre.
Na manhã seguinte a viúva comparece à repartição para retirar os pertences do marido. Era uma senhora franzina, cabelos presos, divididos ao meio, lamentava num choro esganiçado, entrecortado por acessos de tosse, falta de ar e gemidinhos dolorosos. Lembrava em tudo um cachorro.
Numa manhã como qualquer outra, chegando ainda sonolenta, Célia quase tem um ataque cardíaco quando se depara com Almeida, sentado à mesa. Desorientada, vai ter com os colegas, achou que via coisas. Gomes, aproveitando-se da situação para demonstrar virilidade e coragem, vai averiguar. Volta branco como papel e depois um a um, cautelosos, os colegas examinam. É Almeida.
Será possível? Era certo que morrera, pois se todos viram, bem ali, a cabeça enterrada no teclado do computador?! Morrera e não sabia. Digitava lentamente alguma coisa e bebericava um café. Todos se reunem na copa para decidir o que será feito. Ora... é certo que está morto, mas de todo modo não havia muita diferença. Conserva a aparência de vivo: a palidez, os ossos salientes, o profundo desinteresse de tudo. Resolvem não contar nada. Até hoje Almeida é um assíduo funcionário, um morto distraído que não percebeu que finou.
por Caroline Viana
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